domingo, 28 de julho de 2013

PAS029. Inexplicável olhar

Na rua reinava uma grande expetativa. Não havia alguém em frente da loja das irmãs Collins. Mas, mais adiante, abaixo e acima, viam-se grupos de pessoas com os olhos fixos na porta do estabelecimento, esperando ver aparecer o forasteiro que defrontara um amigo de John Latimer.
Este passeava em frente da loja compasso firme, sem se incomodar a olhar para os curiosos.
Era um homem novo – talvez não tivesse ainda trinta e cinco anos – magro e musculoso, de estatura regular.
Um murmúrio apagado acompanhou a saída de Eric Sherman. Apareceu tranquilamente no passeio e ficou a olhar para o pistoleiro com o seu habitual sorriso contagioso e inocente. Fez-se um impressionante silêncio na rua que foi interrompido por uma blasfémia de Latimer ao verificar que o seu antagonista não vinha armado. Trazia só uma cartucheira vazia.
- Que significa isto? Onde estão as suas armas? – perguntou Latimer furioso.
- Ah! Tinha só uma e deixei-a ali dentro. Prefiro andar desarmado. Quando trago revólver, arranjo sempre qualquer conflito. Há pouco, por exemplo, comecei aos tiros a um indivíduo que me incomodava. Depois, arrependo-me, creia. No fundo sou um homem pacífico.
- Eu diria que você é um cobarde! – rugiu Latimer.
- Não, o que acontece é que reconheço ser uma tolice  andarmos no mundo aos tiros uns aos outros.  Erle aproximava-se, como se fosse conversar do tempo que fazia. O pistoleiro, instintivamente, recuou um passo. Erle aproveitou aquilo para dizer-lhe muito divertido:
- Não se assuste, homem! Não vou fazer-lhe mal.
Em toda a rua ouviu-se uma estrondosa gargalhada. Aquilo era o que pretendia o intrujão: desconcertar Latimer e quantos assistiam à cena.
- Se dá mais um passo – gritou LAtimer furioso com o ridículo da sua posição – não terei em conta que está desarmado.
- Mas… pensava matar-me? – perguntou, com a boca aberta e os olhos assombrados.
Novas risadas coroaram as palavras de Sherman. O pistoleiro fitou-o com ódio e disse:
- Já chega de farsa, amigo! O seu truque de fazer-se engraçado vai servir-lhe de muito pouco. É fácil esconder a cobardia com essas graçolas. Aproveita-se de não trazer revólver e supõe que por isso pode salvar-se. Mas está muito enganado.
Enquanto fala, Latimer tirou uma das suas armas do coldre e atirou-a aos pés de Erle, dizendo:
- Agora contarei até vinte. Neste tempo pode apanhar a arma, examiná-la e metê-la no coldre.
Sherman olhou para o revólver caído no chão, mas não se mexeu para apanhá-lo. Perguntou:
- Quer dizer-me primeiro por que é esse interesse em dar-me um tiro? Creio nunca lhe ter feito mal algum e nem sequer o vira na minha vida.
- Certo, mas fê-lo a um meu amigo, que é o mesmo.
- Ah! Esse Sandro é seu amigo? Não sabia que tivesse amigos tão cobardes, que se dedicassem a arruinar duas indefesas mulheres. Mas, se o seu amigo que uma desforra, diga-lhe que venha procurar-me quando estiver reposto. Mas não se meta nisto ou toda a gente vai supor que foi você quem ordenou a Sandro ir à loja atemorizar essas duas pobres mulheres. Seria engraçado que, parecendo tão valente, fosse mais cobarde do que eu.
- …doze… treze… - contava Latimer com os dentes ferrados pela fúria que o dominava.
- Em lugar de perder tempo consigo – continuou Erle – devia ir dizer a Sandro que não volte a repetir a façanha de hoje, porque está a desprestigiá-lo.
- …dezanove e…
Erle tirou o chapéu amavelmente, deu meia volta e pôs-se a andar rua acima, muito tranquilo.
LAtimer ficou com o vinte na boca e a mão crispada sobre a coronha do revólver. Tirou a arma lentamente, cego pela raiva. Levantava o cano, apontando às costas de Sherman, quando uma voz lhe gritou:
- Cuidado, Latimer! Matar um homem pelas costas é um assassínio e paga-se com a forca!
Era o xerife de Atoka, homem robusto, que falara.
- Eu não mato pelas costas, xerife, mas juro-lhe que hei-de pendurar em breve o seu cadáver nessa viga!
Apontou uma viga de um telhado próximo. Erle ouviu-o, mas não se incomodou a voltar a cabeça. Seguiu o seu caminho com o habitual e imperturbável sorriso.
Ao passar em frente da loja das irmãs Collins, viu Malmie por trás do vidro da montra. Fitou-o de uma maneira estranha, séria, profundamente.
Erle tirou o chapéu e cumprimentou-a. Mas ao ver que ela não lhe correspondia e continuava a olhá-lo daquela forma estranha, o sorriso endureceu-se pela primeira vez nos seus lábios.
Quando, pouco depois, Eric Sherman deixava a cidade a galope, continuava a pensar naquele inexplicável olhar de Malmie Collins.
(Coleção Cowboy, nº 30)

Sem comentários:

Enviar um comentário